Desregula #1 - É o fim...
Eu tenho um problema com o fim de qualquer coisa - e talvez você também tenha.
🎧Escrevi ouvindo “Space Song”, de Beach House.
Eu tenho problemas com a finitude. O fim do dia me incomoda. O fim das frases eu adio - não só porque gosto de me ouvir falar, mas porque tenho medo de terminar precocemente, antes de comunicar da melhor forma. E além disso, o fim do domingo me entristece.
café da manhã
Há pouco tempo estava indo pra academia - pra adiar minha finitude - e vi uma versão de mim mesmo que não é minha.
A lentidão com que mastigava seu café da manhã e com que me acompanhava com o olhar; como quem tenta entender por que um estranho, jovem (e estranho) e com fone de ouvidos, olhava estranho para ele e seu gato, na varanda de sua casa branca com detalhes em verde água (ou azul esverdeado), que fica em uma rua que claramente terá mais prédios do que história.
E ele resiste, em sua varanda, como quem não se importa com a finitude, como quem aprendeu algo que eu ainda não sei (ao viver pelo menos 5 décadas a mais do que eu), como para quem as únicas coisas que interessam são seu gato preto, seu café da manhã e esse jovem (estranho) que… bom, agora já passou e não importa mais.
um estranho
Eu não sei o que ele pensou, mas o que pensei me fez pensar em finitude:
será que da próxima vez que eu passar aqui ele ainda vai estar vivo?
E, veja, eu não desejo que ele tenha partido; eu nem desejo que ele fique mais tempo. Eu desejo que ele aproveite seu café da manhã, como se fosse o último. Afinal, inevitavelmente, algum dia, um dos cafés da manhã dele (teu ou meu) será o último.
Mas não é a primeira vez que me perco olhando pra casa dos outros. Sim, a casa parece não ser só desse senhor.
Outro dia, olhei lá pra dentro. Afinal, a porta estava aberta, mesmo com o muro baixo, mesmo com o portão entreaberto, mesmo com registros de um tempo em que portas não deveriam mais estar abertas para olhares alheios.
Vi um quadro, daqueles quadros ovais, em tom sépia, em que um casal posa sério para o registro de seu casamento, de sua juventude. O quadro, diferente do que lembrava em outras referências, tinha uma foto colorida (ou seria uma pintura?), algo que me fez pensar que agora o tempo antigo já está colorido - em breve, o “tempo antigo” terá sido registrado em vídeos nas redes sociais.
No quadro, um casal. O homem realmente se parece com esse homem que vi na varanda. Ao seu lado na foto, uma mulher de cabelos pretos… o que me parece ser a mulher de cabelos pretos com quem ele casou. Na varanda, ao lado desse homem, uma cadeira.
o fim se repete
Mas não é a primeira vez que me deparo com a finitude.
Lembrei de M., meu avô, que algum dia tomou seu último café da manhã. Lembrei também de V., meu outro avô, que da mesma forma (ou de forma diferente) tomou seu último café da manhã.
Então, inevitavelmente, lembrei de V., meu pai, que, acidentalmente, comeu seu último jantar - ou será que ele não jantou antes de sair de casa naquela noite? Talvez estivesse com você durante o acidente.
Talvez esse seja um dos motivos pelos quais não tomo café da manhã… deve ser o medo da finitude. Os jantares, por outro lado, não lembro de ter evitado um dia sequer.
Você também tem medo da finitude?
Da sua, de quem você ama, do dia, das frases, das férias…
Você deve ter algum medo da finitude se, assim como eu, você às vezes também se ocupa do inevitável.
Eu me ocupo tanto do inevitável que escrevi esse texto enquanto fazia musculação, enquanto ocupava os aparelhos da academia.
Será que ninguém pensou que essa é a última oportunidade que tenho de escrever esse texto? Nesse dia… precisa ser aqui… precisa ser agora.
Eu me ocupo tanto do inevitável que deixo de brincar de ser feliz, porque, como avisaram Los Hermanos, “todo carnaval tem seu fim”. Por favor, diga que você pegou essa referência.
Eu já deixei de ir a festas para não ter de lidar com a ressaca (moral ou alcoólica) do dia seguinte.
Sendo que a manhã seguinte é o único indício de que ainda continuo aqui.
o presente
Lembrei de C, minha mãe, que em seus… (acho que ela não gostaria que eu dissesse a idade) já deu finitude a tantas versões de si, já me ensinou tanto sobre fazer tanto com o pouco que se tem, mas que teme a finitude como quem corre contra o tempo.
Lembrei de A., meu irmão, que mal chegou e já encara o tempo como um inimigo, que nas suas despedidas, tenta comprar mais tempo para aproveitar o que inevitavelmente tem seu fim.
Passei de novo naquela casa, reparei que na varanda há duas cadeiras. Agora já não havia mais o homem, a porta estava fechada, o gato continuava na sacada… mas havia duas cadeiras, a foto lá dentro mostrava um casal…
Lembrei de J., a mulher ao lado de quem me sento em varandas, em sacadas, na areia da praia, e cuja finitude tem tudo para se alinhar com a minha e que, como já combinamos, se dará ao mesmo tempo - como quem romanticamente finge que não sabe que a finitude é inevitável e que a nossa pode ser assíncrona.
o tempo
Última série de puxada alta.
Paciente me manda mensagem cancelando o atendimento.
Aviso J., que me liga e convida para tomar café da manhã com ela.
Que não será nosso último, mas que inevitavelmente acabará.
Chego. Sento no sofá e sigo escrevendo o texto - como quem não vive o presente.
Agora, vou levantar e ler para ela, como quem pede um abraço, como quem teme que esse abraço termine.
Valter Machado
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