Regula #1 - Homem não chora… mas agride!
As principais estratégias para regulação emocional com base em evidências científicas... e não nessas regras da sua cabeça.
🎧Escrevi ao som de Little Wing, de Stevie Ray Vaughan.
É comum que homens cheguem ao consultório dizendo, com certo orgulho contido:
“Quero ser forte igual ao Thomas Shelby.”
Eles falam do personagem da série Peaky Blinders como se ele fosse o retrato ideal da masculinidade: frio, controlado, estrategista. Um homem que não chora, que aguenta tudo calado.
Mas o que quase ninguém percebe é que Thomas Shelby também era autodestrutivo, impulsivo, e profundamente infeliz. Ele não chorava - mas se anestesiava com álcool, violência e guerras internas. Não demonstrava fraqueza, mas machucava quem mais amava.
Se essa é a força que aprendemos a desejar… de que fraqueza estamos fugindo?
“Homem não chora” é mais do que sobre lágrimas.
Essa frase carrega um aprendizado cultural que ultrapassa o gesto de chorar. Ela diz, com outras palavras, que homens não devem sentir - ou, ao menos, não devem demonstrar o que sentem.
Mas sentir não é opcional. E suprimir o que se sente tem custos altos.
Há mais de 20 anos, o pesquisador Ad Vingerhoets tem investigado o choro como fenômeno psicobiológico e social. Em sua proposta teórica, o choro é resultado da interação entre um evento significativo, a avaliação subjetiva que a pessoa faz, o estado emocional gerado - e a forma como esse estado é expresso.
Por exemplo:
Um término de relacionamento pode ser interpretado como rejeição, perda, fracasso.
Essa avaliação ativa tristeza, raiva, medo.
O corpo responde: nó na garganta, tensão muscular, lágrimas.
Chorar é, sobretudo, humano.
Dá uma olhada na imagem abaixo.

Diante de um término de namoro (situação objetiva), a pessoa atribui o significado de que está perdendo alguém ou de que está sendo rejeitada (avaliação e representação interna). Com isso, ela sente uma tristeza profunda (estado emocional) e chora.
Em um outro cenário, o chefe diz que a pessoa deve parar de se atrasar para o trabalho (situação objetiva). A pessoa, então, pensa que é incompetente, fracassada ou inadequada (avaliação e representação interna). Com isso, sente vergonha e tristeza - e chora.
Esses exemplos mostram que a interpretação das situações, os estados emocionais e o ato de chorar estão relacionados.
Mas a frase “homem não chora” parece ir além do ato de chorar. Ela ensina que homens não podem ter emoções - ou, se tiverem, não devem manifestá-las.
Isso não é possível!
Afinal, emoções são inevitáveis
Sempre que vamos aprender sobre algo novo é importante começar pelo conceito.
O problema é que muitos pesquisadores já deram suas versões do conceito de emoção.
“Emoções são aqueles personagens do Divertidamente”, alguém poderia dizer. Errado não está… mas vamos a um conceito mais amplo.
"As emoções são fenômenos que envolvem o corpo como um todo, com mudanças acopladas nos domínios da experiência subjetiva, do comportamento e da fisiologia central e periférica. [...] As emoções envolvem transações entre pessoa e situação que capturam a atenção, têm significado para o indivíduo à luz de seus objetivos ativos no momento, e geram respostas coordenadas, mas flexíveis, de múltiplos sistemas, que modificam essa transação pessoa-situação de maneiras cruciais."
Bom, agora, em uma linguagem mais leve, mantendo o que há de mais importante no conceito:
Emoções são respostas do corpo todo (cérebro, braços, pernas, barriga...) quando algo importante acontece entre nós e o mundo ao redor.
Por isso, emoções estão longe de serem algo “bobo” ou algo que pode ser evitado.
Elas são naturais e podem nos ajudar a compreender o que há de importante na nossa relação com o mundo, com as pessoas e com nossos próprios pensamentos.
Até aqui, você viu que chorar é humano e que ter emoções é inevitável.
Chorar é uma das respostas possíveis diante de um estado emocional, mas não é a única - e está longe de ser a pior delas.
Em uma das cenas mais intensas do filme História de um Casamento (leia meu texto sobre o filme clicando aqui), o ex-casal está discutindo (situação objetiva) e ambos estão atribuindo significados ao que é dito pelo outro.

Durante a discussão, eles começam a ter estados emocionais intensos - provavelmente, um misto de raiva, tristeza, frustração, vergonha, medo, etc.
As reações deles a esses estados emocionais são diversas:
Andam de uma para o outro
Aumentam o tom de voz
Apontam o dedo
Choram
Esse tipo de situação pode ficar ainda mais intensa quando há dificuldade de regulação emocional.
Por isso, mais importante do que dizer que “homem não chora” é ensiná-los sobre as estratégias para lidar com emoções intensas.
Como, então, as emoções são reguladas?
Regulação emocional não é o oposto de sentir. É a capacidade de perceber, entender e responder às emoções de forma mais flexível e alinhada com seus valores.
Uma revisão sistemática publicada no Journal of Consulting and Clinical Psychology (Aldao et al., 2010) mostra que estratégias como reavaliação cognitiva, aceitação e resolução de problemas estão associadas a menor sofrimento psicológico - enquanto estratégias como evitação e supressão estão associadas a maior sofrimento.
Entre as estratégias mais úteis está a reavaliação cognitiva.
Em termos simples, é a capacidade de reinterpretar uma situação para mudar seu impacto emocional. Por exemplo, em vez de pensar “ela me ignorou porque me despreza”, considerar que “talvez ela estivesse ocupada ou distraída”.
A pesquisa mostra que pessoas que usam reavaliação com frequência tendem a apresentar menos sintomas de ansiedade e depressão - especialmente quando essa estratégia é usada de forma flexível.
Outra estratégia associada a menos sofrimento é a aceitação emocional.
Isso não significa se resignar à dor, mas sim permitir que as emoções venham e passem, sem entrar em guerra contra elas. É o que muitas terapias baseadas em evidências propõem hoje: estar presente diante da tristeza, do medo ou da raiva, reconhecendo-os como parte da experiência humana - sem se identificar com eles, nem fugir deles. Quando bem aplicada, a aceitação ajuda a reduzir a intensidade do sofrimento ao longo do tempo.
A resolução de problemas também apareceu como uma estratégia relevante - mas com um detalhe importante.
Embora ela esteja ligada a menor sofrimento psicológico em algumas situações, os efeitos variam muito dependendo do contexto. Em momentos de crise emocional intensa, tentar resolver tudo racionalmente pode gerar ainda mais frustração. Por isso, ela funciona melhor quando vem depois de um tempo de pausa, clareza e autorregulação.
Por outro lado, estratégias como evitação e supressão emocional mostraram associação consistente com maior sofrimento psicológico.
Evitar o que se sente - ignorar, fugir, anestesiar - até alivia por um instante, mas acaba agravando o problema no longo prazo. O mesmo vale para a supressão: segurar o choro, conter a raiva, esconder a tristeza. O corpo sente, mesmo que a gente finja que não.
Essas descobertas nos mostram algo importante: regular emoções não é o mesmo que “não sentir”.
Pelo contrário.
As estratégias que mais ajudam são justamente aquelas que nos aproximam da emoção com curiosidade e presença.
A partir disso, podemos construir um caminho prático.
Quatro passos da regulação emocional:
Nomeie o que sente.
Emoções são mais fáceis de lidar quando recebem um nome. Tristeza, medo, frustração.Respire e observe o corpo.
A fisiologia da emoção precisa ser reconhecida antes de ser regulada. Respirar é um início.Questione os pensamentos.
Emoções vêm com narrativas. Nem toda história que a emoção conta é verdade.Escolha como agir.
Regular é transformar impulso em escolha. É responder com intenção; não apenas reagir.
Você não precisa virar outra pessoa.
Precisa só aprender a sustentar o que sente - sem precisar se ferir; sem ferir para se proteger.
Nos próximos e-mails, vamos aprofundar esse caminho.
Por enquanto, te deixo com uma pergunta simples (mas poderosa):
👉 Qual emoção você tem mais dificuldade de reconhecer em si mesmo?
Com carinho e ciência,
Valter
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