Regula #3 - Atenção plena é como boiar
É sobre respirar, estar presente, confiar nas suas habilidades e preservar energia para nadar apenas quando necessário. Vou te explicar como ficar em atenção plena (porque sigo aprendendo a boiar).
🎧Escrevi ouvindo Primavera, de Ludovico Einaudi.
J. e eu estávamos sentados à beira do mar na Praia do Matadeiro, uma onda vinha ao nosso encontro, e, encerrando um assunto importante, J. disse:
“Afinal, tudo que temos é o agora”.
Eu não estava me sentindo bem, mas o que J. disse, em meio àquela cena de fim de tarde de outono, me fez lembrar de um dos principais conceitos da regulação emocional: a atenção plena, que eu carinhosamente apelidei de “boiar”.
Boiar requer muitas habilidades que mesmo as pessoas que nadam com confiança demoram a desenvolver. São habilidades de maior entrega, de menos força, de menos controle. Boiar requer que você respire lentamente, que se mantenha no presente, que não mude a sua postura ao ser impactado por uma onda.
Boiar requer que você, mesmo confiando que sabe nadar, não nade; exige que você relaxe o corpo mesmo diante do medo de afundar.
Entendeu a metáfora, né?
Agora, vamos direto à atenção plena.
Essa é a melhor tradução que temos para a palavra mindfulness, que é um tipo de meditação, a base de uma forma de psicoterapia e uma das estratégias utilizadas dentro de terapias cognitivo-comportamentais de terceira onda.
Em uma definição breve (porque vou trazer um texto específico sobre isso), mindfulness1 é
“a consciência da experiência no momento presente com aceitação”
Por isso, estar em “atenção plena” é estar consciente das experiências a cada momento; estando aberto à realidade do presente (por mais que seja desafiadora).
Pensando na metáfora de boiar, trata-se de não tentar se mover, de deixar as ondas baterem, e seguir boiando.
Por que boiar é importante?
Bom, porque, em algum momento, você cansa de nadar…
Você cansa de tentar resolver tudo; você cansa de complicar sua vida ainda mais por causa das suas reações exageradas; você cansa de tentar “remar contra a corrente”...
Boiar é aceitar o presente, as ondas, as emoções, os desafios.
Atenção plena é aceitar o desconforto, é viver o presente. Por isso, é a base para uma melhor regulação emocional.
A figura abaixo foi extraída do artigo “The neuroscience of mindfulness meditation”2 (“A neurociência da meditação mindfulness”) publicado na revista científica Nature Reviews Neuroscience.
Na parte superior da figura, os autores representam as habilidades associadas com a meditação mindfulness (controle atencional, regulação emocional e autoconsciência) e que compõem a autorregulação.
Na parte inferior, eles descrevem os estágios do desenvolvimento da prática de mindfulness: um início de maior esforço; uma fase intermediária em que o esforço é direcionado a reduzir a divagação mental; e uma fase avançada em que a prática de mindfulness não exige esforço.
Como praticar a atenção plena?
Existem práticas informais e práticas formais de mindfulness. As primeiras são aquelas que você executa nas atividades diárias. Enquanto estiver tomando banho, por exemplo, preste atenção no cheiro dos produtos, na textura da sua pele, na temperatura da água… busque escutar o barulho da água caindo no chão. Enquanto estiver lavando louça, deixe (pelo menos uma vez) de ouvir música, podcast ou algum vídeo aleatório e preste atenção no que você está fazendo.
“Ah, mas que entediante” você pode dizer.
Lembra que você acabou de ler que atenção plena é sobre aceitar o desconforto?
Comece aos poucos. Me agradeça depois!
Já as práticas formais requerem que você reserve alguns poucos minutos do seu dia para focar em desenvolver a atenção plena.
1.
Você pode começar por praticar uma respiração profunda durante 2 minutos do seu dia (2 dos 1440 minutos do seu dia… você consegue!).
Sente-se em uma posição confortável; sustente suas costas retas; inspire profundamente; solte o ar lentamente.
Nesse momento, alguns pensamentos virão. Lembre-se da metáfora, continue boiando e deixe essas ondas passarem.
2.
Para aprimorar essa prática, vá para um lugar aberto (ou na sua janela mesmo). Enquanto inspira profundamente e solta o ar lentamente, faça uma ativação dos seus 5 sentidos. Eles já estão ativados. Você só precisa perceber o que já está sentindo.
Descreva o que você está vendo.
Descreva o que você está ouvindo (perto e longe de você).
Descreva os cheiros que está sentindo.
Descreva algum gosto que ainda resta em sua boca.
Descreva tudo que está tocando sua pele nesse momento.
Você perceberá que o nível de dificuldade aumenta se você procurar por estímulos mais leves (sons baixos ou distantes, toques sutis, aromas suaves etc).
3.
Uma prática semelhante envolve encontrar um objeto que tenha valor para você. Pode ser uma pedra, um bichinho de pelúcia, uma caneta especial, uma caneca… o que você quiser. Depois de pegar o objeto, siga estes passos:
Pegue seu objeto.
Sinta-o. Ele é áspero, liso, macio ou tem alguma outra textura?
Foque sua atenção no objeto, e apenas no objeto. Deixe as palavras, pensamentos e sentimentos flutuarem para fora da sua mente - como se fossem ondas passando por você.
Permaneça presente sem reagir aos seus pensamentos, sentimentos e palavras.
Imagine um dos seus gatilhos que normalmente fazem você ter emoções mais intensas. Concentre-se nas palavras, pensamentos e sentimentos que surgem, mas não reaja.
Imagine agora uma resposta, diferente da sua resposta habitual, que seja positiva, útil e encorajadora.
Solte seu objeto e anote essas alternativas de comportamento.
4.
Uma estratégia que ajuda você a se preparar para uma prática formal mais efetiva do mindfulness é “colocar tudo pra fora” fazendo uma lista escrita. Você “coloca tudo pra fora” de forma positiva - para, então, poder boiar. Consiste em fazer uma lista de todas as coisas que estão passando pela sua cabeça em um momento de maior intensidade emocional. Você pode fazer essa lista no seu celular, computador ou em caderno.
Vá para um lugar privado e longe de outras pessoas (por exemplo, seu carro ou outro cômodo).
Abra um aplicativo no seu celular ou computador, ou use um pedaço de papel para começar sua lista “coloca pra fora”.
Escreva tudo que vier à mente relacionado ao evento que acaba de acontecer (que foi um gatilho pra você).
Não edite sua lista. Não se preocupe com a forma como está escrevendo. Apenas coloque pra fora!
Coloque tudo na lista. Deixe todas as suas palavras, pensamentos e sentimentos fluírem.
Faça isso até esgotar suas palavras, pensamentos e sentimentos relacionados àquele evento.
Imagine uma outra resposta, diferente da sua resposta padrão, que seja positiva, útil e encorajadora.
Engaje-se nessa nova resposta.
Naquele fim de tarde na Praia da Armação, o mar parecia sussurrar o mesmo que J. havia acabado de dizer: tudo que temos é o agora. E talvez esse seja um dos maiores convites da vida adulta — aprender a boiar.
Não como fuga, mas como escolha consciente de não se debater diante do inevitável.
Desde então, me pego perguntando: quantas vezes por dia gasto energia tentando nadar, quando o mais sábio seria apenas flutuar?
Porque a verdade é que viver com atenção plena não exige nada além de algo que você já possui: o próprio corpo, a própria respiração, a própria presença.
Você não precisa virar monge, nem eliminar os pensamentos. Só precisa começar — com dois minutos de respiração, com um banho mais atento, com uma pausa antes de reagir.
A prática não é sobre controlar o mar. É sobre não se afogar em cada onda.
E quando você perceber isso - quando confiar que é possível boiar mesmo no meio da tempestade - algo dentro de você muda. Um espaço se abre. O mundo fica menos assustador, e você tem mais energia para nadar quando necessário.
👉 Se essa newsletter fez sentido pra você, compartilhe com alguém que anda cansado de remar contra a corrente.
📈Automonitoramento
Você pode começar a monitorar sua saúde mental, com minha supervisão direta. Clique aqui e preencha o formulário.
Depois disso, vou cadastrar você na plataforma HumanTrack e você receberá, por WhatsApp, links para preencher questionários de saúde mental sobre ansiedade, sintomas depressivos, qualidade do sono, humor, burnout etc.
Então, mensalmente, vou te enviar um relatório.
💡Psicoterapia
Inicie um processo de psicoterapia baseada em evidências científicas, com
avaliação psicológica,
diagnóstico,
definição de metas
plano de tratamento
monitoramento de progresso
Nossas sessões têm como base a terapia cognitivo-comportamental e são online.
Clique no botão abaixo e vamos entrar em contato para agendar sua primeira consulta.
🧠Avaliação neuropsicológica
O processo de avaliação neuropsicológica é indicado para o levantamento de informações complementares para diagnóstico e plano de tratamento em saúde mental.
Consiste na aplicação de entrevistas, escalas e testes validados, resultando na emissão de um laudo psicológico.
Para receber mais informações, preencha o formulário clicando no botão abaixo.
Neff, K., & Germer, C. (2022). Manual de autocompaixão e mindfulness: Um guia para desenvolver a aceitação de si mesmo e viver com mais força interior e alegria. Artmed.
Tang, Y. Y., Hölzel, B. K., & Posner, M. I. (2015). The neuroscience of mindfulness meditation. Nature Reviews Neuroscience, 16(4), 213–225. https://doi.org/10.1038/nrn3916